Presidente focou na soberania nacional e foi seguido por ministros – Foto: Ricardo Stuckert / PR
Um ato a favor da soberania do Brasil. Foi nisso que se transformou um evento oficial do governo federal nesta sexta-feira (11) realizado em Linhares, no interior do Espírito Santo. Sugestivamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) surgiu com um boné azul onde estava escrito: “O Brasil é dos brasileiros”.
Foi mais uma reação diante do aumento da sobretaxa para 50% sobre produtos importados do Brasil imposto nesta semana pelos Estados Unidos por meio do presidente Donald Trump. Sem justificativas econômicas plausíveis, já que a balança comercial é favorável aos EUA, Trump comunicou o tarifaço por uma rede social e ainda indicou motivos ideológicos, relacionados à amizade dele com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas últimas eleições e processado por tentativa de golpe de estado pelo Supremo Tribunal Federal.
O evento foi organizado para o acordo de reparação socioeconômica das populações atingidas pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015. Os pagamentos são destinados a agricultores familiares e pescadores.
Mas, seguindo o calor do assunto, assim como Lula, ministros, o governador do estado, Renato Casagrande (PSB), e outras autoridades se revezaram durante o evento em discursos com o mesmo tom de repúdio às medidas de Trump e em defesa da soberania brasileira.
A questão é vista como acima de uma afronta à economia, porque o presidente norte-americano também ofendeu os poderes Executivo e Judiciário do país quando escreveu que Bolsonaro sofre uma “caça às bruxas” que precisa ser encerrada “imediatamente”, ignorando o processo legal que existe também no país dele.
Lula culpa e ironiza os bolsonaro
Lula culpou diretamente o ex-presidente e seu filho, o deputado federal licenciado, Eduardo Bolsonaro, pelo tarifaço de Trump. “Aquela coisa covarde [Bolsonaro], que preparou um golpe nesse país, não teve coragem de fazer, está sendo processado, vai ser julgado e mandou o filho dele para os EUA pedir para o Trump fazer ameaça: ‘Ah, se não liberarem o Bolsonaro, vou taxar vocês’”, afirmou.
Em outro momento ele repetiu o ataque: “A coisa [Bolsonaro] mandou um filho que era deputado se afastar da Câmara para ir lá ficar pedindo: ‘Trump, pelo amor de Deus, solta meu pai, não deixa meu pai ser preso’”, disse, arrancando risos da plateia.
Ele ainda citou um vídeo do deputado nas redes sociais: “É preciso criar vergonha na cara, porque a coisa mais pequena de um homem é ele não ter caráter. Vocês viram ontem o filho dele [Eduardo] na internet lendo uma carta [dizendo]: ‘Trump fala que você não vai taxar [o Brasil] se meu pai não for preso’. Que tipo de homem que é esse? Que não tem vergonha de enfrentar o processo dele de cabeça erguida e provar que é inocente.”
Relacionamento era bom antes de Trump
O presidente prolongou o discurso e relembrou o relacionamento diplomático com antecessores de Donald Trump. “Sou agradecido a todos os presidentes [dos EUA] que conviveram comigo entre 2003 e 2010 e agora. Todos eu respeitava. Não quero saber se ele gosta de mim ou não. Quero saber que ele foi eleito pelo povo do seu país, ele é o presidente, tenho que tratá-lo com respeito porque o povo deu a ele o mandato”, citou.
Ele ainda repetiu nesta sexta o que havia dito um dia antes sobre Trump e o tarifaço: “Quero dizer, com todo respeito ao presidente Trump, o senhor está muito mal-informado. Os EUA não têm déficit comercial com o Brasil, é o Brasil que tem déficit (…) Nós é que deveríamos taxar ele.”
Ao público, o presidente reiterou o que disse em entrevistas logo após a medida da Casa Branca, sobre as estratégias para evitar prejuízos ao país. “Vou tentar brigar em todas as esferas para que não venha a taxação, vou brigar na OMC [Organização Mundial do Comércio], vou conversar com meus companheiros do Brics. Mas, se não tiver jeito no papo, no tête-à-tête, vamos estabelecer a reciprocidade. Taxou aqui, a gente taxa lá”, completou.
Além do presidente, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, alfinetou opositores de Lula e durante o evento classificou as tarifas aplicadas por Trump como ataque dos Estados Unidos ao Brasil.
“Muitos carregavam, em campanhas eleitorais recentes, a bandeira do Brasil nas costas pra dizer que eram brasileiros de verdade. Mas agora, com o ataque dos Estados Unidos, sabemos quem são os brasileiros e os traidores da pátria”, disse o petista.
Já o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, criticou Trump por receber bolsonaristas que respondem à Justiça no Brasil.
“[Quero] dizer ao presidente dos EUA que é melhor andar em melhores companhias porque ele anda muito mal acompanhado por alguns brasileiros que estão querendo fugir para os Estados Unidos”, afirmou o ministro. “Se enfrenta a Justiça se defendendo e quem cometeu crime tem que pagar pelos crimes que cometeu.”
Governador fala em cautela
O anfitrião, governador Renato Casagrande (PSB) foi na mesma linha de defender a soberania brasileira. “Nenhum líder de outro país pode tentar interferir nas instituições do nosso país. O presidente não vacilou na defesa da soberania nacional. Nós, daqui do Espírito Santo, manifestamos apoio a essa posição firme da gente defender as instituições da população brasileira”, disse Casagrande durante discurso.
Por outro lado, Casagrande pediu cautela após o anúncio das tarifas pelo governo dos EUA. “A gente não pode fazer um duelo de tarifas. Saca uma tarifa de lá e uma de cá. A posição do governo está correta, dentro do prazo que tem na Organização Mundial do Comércio e no diálogo com os setores da sociedade brasileira sobre qual a melhor posição em defesa do povo brasileiro.”
Em repercussão ao tarifaço, analistas estimam que Lula se fortaleceu, ao contrário do que desejavam os bolsonaristas. Além disso, adversários como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que até já posou com o boné alusivo ao lema trumpista “Torne a América grande novamente” (Make american great again) têm sido duramente criticados, o que deve repercutir na pretensão de disputar com Lula a presidência em 2026.
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